São Tomé e as feridas
No próximo domingo, a liturgia nos trará a figura de Tomé. Esta figura apresentada pelo evangelho de João é de um homem que não tem fé ou daquele que está sempre se questionando sobre o sentido da fé e da vida.
É de admirar ou chamar a atenção, alguém que tendo caminhado com Jesus, convivido lado a lado com Ele, partilhado os mesmo ideais e sonhos, tenha uma atitude tão profunda de falta de fé.
Para mim, Tomé é apenas um “sinal exemplar” para o evangelho. Uma manifestação teológica. E sua atitude não é de nenhuma forma vazia ou sem espiritualidade. Tomé é sinal daquele que quer conhecer, aprofundar, tocar à realidade, descobrir sentidos e sinais que indicam algo mais profundo da existência humana e quem sabe da existência Divina de Jesus. Pergunta Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos saber o caminho? Nesta pergunta, Tomé mostra que não tem medo ou preguiça de caminhar, apenas está sem direção. O Senhor responde que Ele é a direção e que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.
O modelo de espiritualidade refletido por Tomé, não é um modelo de superficialidade, de fantasia, mas de uma espiritualidade “pé no chão” e real. Ele toca a realidade das chagas e feridas da realidade de Jesus. Creio que a nossa espiritualidade seria mais integrada e integradora, se tocássemos as chagas dos sofrimentos da humanidade e a partir delas, chegássemos com cristo a Ressurreição. O ressuscitado conserva as chagas em seu corpo.
A psicologia nos ensina que se não deixamos a “dor doer”, isto é, se não tocamos o dedo em nossas feridas, não seremos curados. Muitas vezes ficamos com as feridas abertas, não tocamos e não deixamos outros tocarem e assim nunca somos curados. A ferida necessita de atenção, cuidado e carinho, para que seja curada.
Parafraseando São Gregório Magno podemos dizer que “O mestre Jesus Cristo, já ressuscitado, deixa-se apalpar pelo discípulo e o discípulo ao apalpar suas feridas, é curado da falta de fé. Ao tocar as feridas humanas, descobre o lado divino de Jesus. Que ícone emocionante é ver o discípulo tocando nas feridas de Jesus e Jesus deixando-se apalpar pelo discípulo. Veja as minhas mãos e meus pés, põe o dedo no meu lado, e não seja incrédulo, mas fiel (Jo, 20, 27). Este me parece é o único relato de que alguém tocou em Jesus Ressuscitado.
O lado, de Jesus, é sempre interpretado como o coração. Poderíamos traduzir assim: Põe o dedo em meu coração. Veja-me através de minhas chagas, contemple o que está no mais profundo do meu ser. Veja o meu coração aberto. Se com os olhos não for suficiente, veja (sinta) com as mãos. Tocar com as mãos é a melhor maneira de fazer a experiência de uma realidade.
São Gregório Magno continua dizendo que “a incredulidade de Tomé foi mais proveitosa para a nossa fé do que a fé dos demais discípulos que logo acreditaram”. Ele ao ver a humanidade de Jesus, e tocar nos cortes humanos, pode proclamar a fé na divindade, “meu Senhor e meu Deus” (Jo, 20, 28). Esta última frase é a profissão de fé mais profunda do Evangelho de João.
A espiritualidade de Tomé me parece ser de grande utilidade hoje, em que muitos querem uma espiritualidade desencarnada, fora da realidade, fugindo do sofrimento de si mesmo e do nosso povo. Para se chegar à ressurreição, tem que sofrer as chagas e passar pela cruz. Tocar as chagas de Jesus é reconhecer que a cruz é fundamental para se chegar à ressurreição.
Todos carregamos algum tipo de ferida (chaga). Inevitavelmente, a vida vai nos ferindo. Cada pessoa carrega suas feridas, alguns mais e outros menos profundas, mas todos carregamos alguma chaga. Alguns foram feridos na infância ou na juventude, nos relacionamentos com seus pais, irmãos, professores, etc. Outros em outros momentos da vida. Cada um sabe de onde surgiram suas feridas. Nossa sociedade é constante ferida, no sofrimento do pobre, no preconceito pela raça, cor ou sexo…
É preciso cuidar das feridas. Como em Cristo, ela foi a prova que o crucificado era o ressuscitado, as feridas podem ser importantes para nós. Em primeiro lugar, a ferida é importante, porque nos torna mais humildes e se cuidamos com carinho dela, ela servirá de fonte para ajudarmos a curar as feridas dos outros e assim nos tornarmos fonte de benção para os irmãos. Quando temos consciência de nossa ferida, evitamos ferir os outros, pois sabemos que dói e assim entendemos a dor do irmão e nos tornamos mais solidários com suas dores.
O grande problema da ferida é quando não tomamos consciência ou não cuidamos dela. Ela vai crescendo cada vez mais e começamos a ferir os outros a partir da nossa própria ferida. Ex: Quando me sinto rejeitado pelos outros ou com complexo de inferioridade, acabo rejeitando meu irmão ou querendo diminuí-lo.
São Pedro na sua primeira carta, capítulo 2, 24, diz que “Por suas feridas fomos curados”. Se caminharmos na fé em Jesus Cristo, que foi ferido pelos nossos pecados, conscientes de nossas chagas, a nossa ferida pode se transformar em graça e fonte de salvação para os nossos irmãos. Deixemos que o Senhor nos toque e toque os nossos lábios, como o profeta Isaías, com sua brasa viva, nossas feridas e o nosso coração. Assim ele poderá nos curar.
O Ressuscitado de Tomé traz consigo as marcas do sofrimento. Nós que buscamos viver como ressuscitados e convertidos em Cristo, não nos esqueçamos de que em nós existem marcas, de pecado, de dor e sofrimento. Elas nos forçarão a colocarmos os nossos pés no chão e termos a certeza de que fomos salvos pelas chagas do Cristo crucificado.
O chagado-ferido é o mesmo ressuscitado. Nós também com nossas feridas poderemos chegar a Ressurreição. Acolha suas feridas e as transforme em fonte de ressurreição e de benção para os irmãos.
Dom Manoel Ferreira dos Santos Junior, MSC
Bispo diocesano de Registro