Mensagem da CNBB ao povo brasileiro sobre o momento atual
Reunidos no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, de
28 de agosto a 2 de setembro, para a etapa presencial da 59ª Assembleia Geral da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, nós, bispos católicos, em colegialidade e comunhão, nos
dirigimos a todos os homens e mulheres de boa vontade.
Como pastores, temos presente a vida e a história de nossas comunidades, o rosto de
nossa de gente, marcado pela fé, esperança e capacidade de resiliência. Nossas alegrias e
esperanças, tristezas e angústias (cf. Gaudium et Spes, 1) são as mesmas de cada brasileira e
brasileiro. Com esta mensagem, queremos falar ao coração de todos.
Nossa fé comporta exigências éticas que se traduzem em compaixão e solidariedade
concretas. O compromisso com a promoção, o cuidado e a defesa da vida, desde a concepção
até o seu término natural, bem como, da família, da ecologia integral e do estado democrático
de direito estão intrinsicamente vinculado à nossa missão apostólica. Todas as vezes que esses
compromissos têm sido abalados, não nos furtamos em levantar nossa voz. “A Igreja é
advogada da justiça e dos pobres, exatamente por não se identificar com os políticos nem com
os interesses de partido” (Bento XVI, Discurso Inaugural da Conferência de Aparecida).
Com a esperança que nos vem do Senhor e que não nos decepciona (Cf Rm 5,5),
reconhecemos o tempo difícil em que vivemos. Nosso País está envolto numa complexa e
sistêmica crise, que escancara a desigualdade estrutural, historicamente enraizada na sociedade
brasileira. Constatamos os alarmantes descuidos com a Terra, a violência latente, explícita e
crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas que ameaçam o convívio
humano harmonioso e pacífico na sociedade. Entre outros aspectos destes tempos estão o
desemprego e a falta de acesso à educação de qualidade para todos. A fome é certamente o mais cruel e criminoso deles, pois a alimentação é um direito inalienável (cf. Papa Francisco, Fratelli
Tutti, 189). Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO, 2022), a quantidade de brasileiras e brasileiros que enfrentam algum tipo de
insegurança alimentar ultrapassou a marca de 60 milhões.
Como se não bastassem todos os desafios estruturais e conjunturais a serem enfrentados,
urge reafirmar o óbvio: Nossa jovem democracia precisa ser protegida, por meio de amplo pacto
nacional. Isso não significa somente “um respeito formal de regras, mas é o fruto da convicta
aceitação dos valores que inspiram os procedimentos democráticos […] se não há um consenso
sobre tais valores, se perde o significado da democracia e se compromete a sua estabilidade”
(Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 407).
Ao comemorarmos o bicentenário da Independência do Brasil, é fundamental ter
presente que somos uma nação marcada por riquezas e potencialidades, contudo, carente de um
projeto de desenvolvimento humano, integral e sustentável. Vítimas de uma economia que
mata, celebramos as conquistas desses 200 anos de independência conscientes de que condições
de vida digna para todos ainda constituem um grande desafio. É necessário o compromisso
autêntico com a verdade, com a promoção de políticas de Estado capazes de contribuir de forma
efetiva para a diminuição das desigualdades, a superação da violência e a ampliação do acesso
a teto, trabalho e terra. Comprometidos com essas conquistas e inspirados pela cultura do
diálogo e do encontro, podemos ser uma nação realmente independente e soberana.
É motivo de preocupação a manipulação religiosa e a disseminação de fake News que
têm o poder de desestruturar a harmonia entre pessoas, povos e culturas, colocando em risco a
democracia. A manipulação religiosa, protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os
valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e
enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com o Evangelho e
com a verdade.
A corrupção, histórica, contínua e persistente, subtrai o que pertence aos mais pobres.
A Lei da Ficha Limpa, que proíbe que condenados por órgãos colegiados possam se candidatar
a cargos políticos é uma conquista popular e democrática, que deve ser promovida, juntamente
com outros mecanismos de controle que garantam a ética na política.
Mesmo com todos esses desafios, a dinâmica da democracia nos coloca, mais uma vez,
num processo eleitoral. Tentativas de ruptura da ordem institucional, veladas ou explícitas,
buscam colocar em xeque a lisura desse processo, bem como, a conquista irrevogável do voto.
Pelo seu exercício responsável e consciente, a população tem a capacidade de refazer caminhos,
corrigir equívocos e reafirmar valores. Reiteramos nosso apoio incondicional às instituições da
República, responsáveis pela legitimação do processo e dos resultados das eleições.
Assim, conclamamos, mais uma vez, toda a sociedade brasileira a participar ativa e
pacificamente das eleições, escolhendo candidatos e candidatas, para o executivo (presidente e
governadores) e o legislativo (senadores e deputados federais, estaduais e distritais), que
representem projetos comprometidos com o bem comum, a justiça social, a defesa integral da
vida, da família e da Casa Comum.
Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, nos ajude a buscar sempre a melhor
política, uma das formas mais eminentes da caridade.
Aparecida – SP, 31 de agosto de 2022.