“Só Deus pode me julgar!”
Talvez essa seja uma das frases que a gente mais ouviu das pessoas, geralmente encerrando um discurso sobre algumas de suas próprias atitudes. Talvez você, caro leitor, já tenha até dito isso e tenha plena convicção do que está falando! Se a gente usa muito, vale a pena entender para não só usar muito, mas usar bem.
Há algo de certo e de errado com essa frase. O que é certo? Realmente, somente a Deus cabem os julgamentos. O evangelista Mateus nos traz Jesus orientando a não julgarmos (Mt 7, 1), pois seremos julgados à mesma medida em que julgarmos. Mas por quem? Pelas outras pessoas, talvez… Pelo Supremo Juiz, certamente. Também São Tiago nos questiona sobre nossa pretensão de julgar: “Há um só Legislador e um só Juiz: o que pode salvar e o que pode fazer perder. Mas quem és tu, para julgares o teu irmão?” (Tg 4, 12). Nisso os que afirmam que o julgamento cabe a Deus estão certos. Porém, antes de essa ideia nos parecer um confortável refúgio, uma fuga para fazer calar os “juízes de plantão”, uma desculpa para persistirmos no erro, precisamos levar em conta uma coisa importante: quem é o Deus ao qual caberá o Juízo? Porque o Deus que muitos idealizam – um Deus cego e surdo às nossas ações, e que por isso tudo parece permitir e tudo parece perdoar –, sinto dizer-lhe, não existe! Deus é o Pai de Jesus Cristo, e Nele é Pai de todos nós. De fato, Ele oferece o seu perdão a toda a falta; porém, a toda a falta da qual nos arrependemos sinceramente e à qual não retornamos. Como Pai, Deus é bom, é misericordioso… e é justo. E a justiça implica em dar a cada um provar do fruto que semeou. Assim, se é correto dizer que somente Deus pode nos julgar, não deveria nos preocupar e nos chamar a atenção o fato de que Deus, de fato, está nos julgando? E que de nada adianta pensar que Deus tudo perdoará, se minha persistência no pecado diz a Deus “eu sei que o Senhor perdoa, mas está tão bom assim… Não quero ser perdoado, não!”? Nada passa desapercebido aos olhos Daquele que nos conhece desde o ventre materno.
E nós, que não somos capacitados a sermos juízes, não temos então responsabilidade alguma sobre as próprias ações e, mesmo, sobre as ações dos outros? O Apóstolo Paulo, na sua Segunda Carta a Timóteo, nos diz que a Palavra de Deus é “útil para ensinar, repreender, corrigir e formar na justiça” (2Tm 3, 16). Feitos profetas pelo Batismo, somos chamados a orientar, corrigir, ajudar a nós mesmos e às pessoas a trilharem o bom caminho. E nossa referência é sempre a Palavra de Deus – portanto, não a nossa própria palavra! De fato, não somos juízes… Mas somos orientadores, segundo a Palavra, a vivermos retamente e, por um testemunho de fidelidade ao Deus da Palavra, tendo por medida de vida o próprio Jesus, animarmos nossos irmãos e irmãs a viverem retamente também eles. Daí também a importância de termos proximidade, intimidade com a Palavra do Senhor!
Não julgar não é ficar omisso. Não apontar o dedo acusando não nos livra da responsabilidade de apontarmos o dedo indicando a direção, e de estendermos a mão para caminharmos juntos. Na medida da Palavra. Sob o olhar atento do Justo e Misericordioso Juiz, Aquele que “não dorme, nem cochila” (Salmo 120, 4).
Por: Pe. Thiago Ouriques